quinta-feira, 9 de setembro de 2010

POEMAS ÉPICOS

A MORTE DE LINDÓIA (Canto IV)
[...] Não faltava
Para se dar princípio à estranha festa,
Mais que Lindóia. Há muito lhe preparam
Todas de brancas penas revestidas
Festões de flores as gentis donzelas.

Cansados de esperar, ao seu retiro
Vão muitos impacientes a buscá-la.
Estes de crespa Tanajura aprendem
Que entrara no jardim triste e chorosa,
Sem consentir que alguém a acompanhasse.

Um frio susto corre pelas veias
De Caitutu, que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
Busca co’a vista, e teme de encontrá-la.

Entram enfim na mais remota e interna
Parte de antigo bosque, escuro e negro,
Onde ao pé de uma lapa cavernosa
Cobre uma rouca fonte, que murmura,
Curva latada de jasmins e rosas.

Este lugar delicioso e triste,
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindóia.

Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um fúnebre cipreste, que espalhava

Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.

Fogem de a ver assim, sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.

Porém o destro Caitutu, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes

Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira e o temor. Enfim sacode
O arco e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.

Açouta o campo co’a ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.

Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.

Os olhos, em que Amor reinava, um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes
Contou a larga história de seus males.

Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime e a voluntária morte.

E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado e triste,
Que os corações mais duros enternece

Tanto era bela no seu rosto a morte!
Uraguai – Basílio da Gama


O Afogamento de Moema
(6º Canto)
[...] XLIII
Perde o lume dos olhos, pasma e trema,
Pálida a cor, o aspecto moribundo, Com
mão já sem vigor, soltando o leme, Entre as
salsas escumas desce ao fundo. Mas na
onda do mar, que irado freme, Tornando a
aparecer desde o profundo: "Ah! Diogo
cruel!" disse com mágoa, E, sem mais vista
ser, sorveu-se n’água.

Choraram da Bahia as ninfas belas Que,
nadando, a Moema acompanhavam; E,
vendo que sem dor navegam delas, branca
praia com furor tornavam. Nem pode o claro
herói sem pena vê-las, Com tantas provas
que de amor lhe davam; Nem mais lhe
lembra o nome de Moema, Sem que ou
amante a chore, ou grato gema.
[...]

Caramuru – Stª Rita Durão



























LIVRO XXIII

Às risadas a velha os joelhos move,
Celérrima1 a informar que é vindo Ulissses,
E a Penélope fala à cabeceira:

“Surge, anda, filha, a veres com teus olhos
O que tanto almejaste: eis bem que tardo,
Castigou teu marido os que, estragando
Casa e fazenda, o filho te oprimiam.”

E ela: “O Céu, que à vontade, ama Euricléia,
Do louco um sábio faz, do sábio um louco,
Transtorna-te a razão que te assistia.
Como! zombas de mim, que hei tantas penas,
E as pálpebras do sono me descerras,
Sono o mais saboroso dês que Ulisses
Foi-se à nefanda2 Tróia? Desce e vai-te.

Se outra com tais anúncios me acordasse,
Eu mais dura e severa a despedira;
Mas vale-te essa idade.” — A escrava insiste:

“Filha, de ti não zombo; em casa o temos;
É o hóspede que todos insultavam.
Já sabia Telêmaco o segredo;
Ocultava-o prudente, a fim que Ulisses
A soberba e violência refreasse.”

Leda3 salta Penélope do leito,
Em lágrimas a abraça: “Ama querida
Se isso é verdade, se ele aqui se alverga4,
Os audazes, que sempre estavam juntos,
Como só derribou5?”— E a nutriz6: “Nada
Eu vi, nem mo contaram, mas ouvia.
O estrondo, o pranto, os ais dos moribundos,

1 Célerrima – muito rápida
2 Nefanda – ímpia, pervesa
3 Leda – alegre
4 Alvergar – hospedar, abrigar, agasalhar.
5 Derribar – pôr abaixo; lançar por terra; abater; derrubar. / Vencer, subjugar. / Destruir, aniquilar
6 Nutriz – ama de leite
Lá nos retretes1, a trancadas portas,
Em susto éramos todas, e teu filho
Por ordem paternal veio chamar-me.

Achei teu bravo Ulisses entre os mortos
Uns por cima dos outros: exultaras
De o ver leão sangrento e encarniçado!
Ele, fora os cadáveres em montes,
Fumiga2 o paço, e ordena que me sigas,
Anda, ambos de alegria abeberai-vos,

Depois de tantas mágoas; a tão longa
Saudade se mitigue. Ele nos torna
Vivo e são; cá te encontra e o filho vosso;
Puniu já desta casa os malfeitores.”

7 Retrete – aposento secreto, lugar oculto ou retirado; retiro.
8 Fumiga – Defumar, expor ao fumo, vapores ou gases.

Odisséia - Homero

Nenhum comentário:

Postar um comentário